terça-feira, 30 de março de 2010

(...)


"Assim como leste, desta maneira dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta terra vi. E se um pouco me alonguei, Ela me perdoe. Porque o desejo que tinha de Vos tudo dizer, mo fez pôr assim pelo miudo."

sexta-feira, 12 de março de 2010

Há cinco anos, deitado na cama escutando o barulho do mar, cantarolava uma música pela manhã.
Há cinco minutos, deitado no sofá escutando o barulho do vento, cantarolo uma música pela noite.
Veio uma saudade de estar deitado na cama, cantarolando e escutando o barulho do mar.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Por muito tempo

Estamos ligados, unidos por uma linha invisível e infinita em seu potencial e frágil em sua estrutura, porém somos também simples indivíduos, espaços vazios a serem preenchidos com infinitas possibilidades, um amontoado de pensamentos, medos, verdades, um agrupamento de lembranças e experiências desconexas.
Podemos ser nós mesmos sem isso?
Você pode ser?
E se essa linha invisível que nos une for extinta, desaparecesse na existência, como seria?
O que seria se ficassemos sozinhos e desconectados?
Nisso está a maior batalha de nossas vidas. Encontrar, unir, conectar, não deixar que tudo desapareça. Enquanto nossos corações forem livres e puros, e houver harmonia em nossos pensamentos, seremos sempre um todo, capazes de manter a nossa frágil existência e criar um mundo de possibilidades infinitas.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

“O tempo é o maior tesouro de que um homem pode dispor; embora inconsumível, o tempo é o nosso melhor alimento; sem medida que o conheça, o tempo é contudo nosso bem de maior grandeza: não tem começo, não tem fim; é um pomo exótico que não pode ser repartido, podendo entretanto prover igualmente a todo mundo; onipresente, o tempo está em tudo; existe tempo, por exemplo, nessa mesa antiga: existiu primeiro uma terra propícia, existiu depois uma árvore secular feita de anos sossegados, e existiu finalmente uma prancha nodosa e dura trabalhada pelas mãos de um artesão dia após dia; (...) rico não é o homem que coleciona e se pesa no amontoado de moedas, e nem aquele, devasso, que se estende, mãos e braços, em terras largas; rico só é o homem que aprendeu, piedoso e humilde, a conviver com o tempo, aproximando-se dele com ternura, não contrariando suas disposições, não se rebelando contra seu curso, não irritando sua corrente, estando atento para o seu fluxo, brindando-o antes com sabedoria para receber dele os favores e não a sua ira; o equilíbrio da vida depende essencialmente deste bem supremo, e quem souber com acerto a quantidade de vagar, ou a de espera, que se deve pôr nas coisas, não corre nunca o risco, ao buscar por elas, de defrontar-se com o que não é (...) pois só a justa medida do tempo dá a justa natureza das coisas, não bebendo do vinho quem esvazia num só gole a taça cheia; mas fica a salvo do malogro e livre da decepção quem alcançar aquele equilíbrio, é no manejo mágico de uma balança que está guardada toda a matemática dos sábios, num dos pratos a massa tosca, modelável, no outro, a quantidade de tempo a exigir de cada um o requinte do cálculo, o olhar pronto, a intervenção ágil ao mais sutil desnível (...) não se profana impunemente ao tempo a substância que só ele pode empregar nas transformações, não lança contra ele o desafio quem não receba de volta o golpe implacável do seu castigo; ai daquele, mais lascivo, que tudo quer ver e sentir de um modo intenso (...): acaba por nada ver, de tanto que quer ver; acaba por nada sentir, de tanto que quer sentir; acaba só por expiar, de tanto que quer viver; cuidem-se os apaixonados, afastando dos olhos a poeira ruiva que lhes turva a vista, (...) afinal, que força tem o redemoinho que varre o chão e rodopia doidamente e ronda a casa feito fantasma, se não expomos nossos olhos à sua poeira? é através do recolhimento que escapamos ao perigo das paixões, mas ninguém no seu entendimento há de achar que devamos sempre cruzar os braços, pois em terras ociosas é que viceja a erva daninha: (...) bastando que sejamos humildes e dóceis diante de sua vontade, abstendo-nos de agir quando ele exigir de nós a contemplação, e só agirmos quando ele exigir de nós a ação, que o tempo sabe ser bom, o tempo é largo, o tempo é grande, o tempo é generoso, o tempo é farto é sempre abundante em suas entregas: (...) em tudo ele nos atende, mas as dores da nossa vontade só chegarão ao santo alívio seguindo esta lei inexorável (...) é através da paciência que nos purificamos, em águas mansas é que devemos nos banhar, encharcando nossos corpos de instantes apaziguados, fruindo religiosamente a embriaguez da espera no consumo sem descanso desse fruto universal, inesgotável, sorvendo até a exaustão o caldo contido em cada bago, pois só nesse exercício é que amadurecemos, construindo com disciplina a nossa própria imortalidade, forjando, se formos sábios, um paraíso de brandas fantasias onde teria sido um reino penoso de expectativas e suas dores”

Raduan Nassar, in: Lavoura Arcaica

sábado, 16 de janeiro de 2010

"Satânico é meu pensamento a teu respeito, e ardente é o meu desejode apertar-te em minha mão, numa sede de vingança incontestável peloque me fizeste ontem.
A noite era quente e calma e eu estava em minha cama, quando, sorrateiramente, te aproximaste.Encostaste o teu corpo sem roupa no meu corpo nu, sem o mínimo pudor! Percebendo minha aparente indiferença, aconchegaste-te a mim e mordeste-me sem escrúpulos. Até nos mais íntimos lugares. Eu adormeci. Hoje quando acordei, procurei-te numa ânsia ardente, mas em vão. Deixaste em meu corpo e no lençol provas irrefutáveis do que entre nós ocorreu durante a noite. Esta noite recolho-me mais cedo, para na mesma cama te esperar. Quando chegares, quero te agarrar com avidez e força. Quero te apertar com todas as forças de minhas mãos. Só descansarei quando vir sair o sangue quente do seu corpo.
Só assim, livrar-me-ei de ti,pernilongo Filho da P.!!!!"

Drumond